Recife

Igreja de São Pedro

André Martins on 11/05/2017

Igreja de São Pedro dos Clérigos

No bairro de São José, bem no início da Rua das Águas Verdes, descortina-se diante dos nossos olhos o casario setecentista do Pátio de São Pedro, um dos mais festejados logradouros recifenses.

Sua origem data do ano de 1719, quando lá existia !uma horta e seis moradas” pertencente ao então sargento-mor Belchior Alves Camelo, adquiridas pela Irmandade de São Pedro dos Clérigos com a finalidade de ali erguer o seu templo.No bairro de São José, bem no início da Rua das Águas Verdes, descortina-se diante dos nossos olhos o casario setecentista do Pátio de São Pedro, um dos mais festejados logradouros recifenses. Sua origem data do ano de 1719, quando lá existia !uma horta e seis moradas” pertencente ao então sargento-mor Belchior Alves Camelo, adquiridas pela Irmandade de São Pedro dos Clérigos com a finalidade de ali erguer o seu templo.

Para Germain Bazin, “a Igreja de São Pedro do Clérigos do Recife é uma das obras mais monumentais do Brasil. Por seu verticalismo, a fachada é absolutamente excepciona”.¹

Por sua vez, José Antônio Gonsalves de Mello a considera a mais bela igreja de Pernambuco, salientando ter sido a sua planta elaborada pelo mestre-pedreiro Manuel Ferreira Jácome, que para ela criou uma nave de traçado octogonal inserida numa caixa quadrada, a qual “não deixa que se perceba no exterior a forma poligonal do seu interior”, exemplo único no Nordeste do Brasil.

Observa José Luiz Mota Menezes que “a definição arquitetural desse interior resultou da anexação de um prisma de base octogonal, irregular, a dois outros prismas que se formaram tendo por base a planta baixa do intervalo entre as torres e a capela-mor, respectivamente. Todos esses prismas foram coroados por abóbadas de berço, de intersecção e de arestas, dando como um espaço interno já identificado com o barroco”.²

A pedido da irmandade, o projeto do mestre Manuel Ferreira Jácome veio a receber pareceres favoráveis dos engenheiros militares João Macedo Corte Real e Diogo da Silveira Veloso, e do capitão de artilharia Jerônimo Mendes da Pas.

A construção da singular igreja foi inciada em 3 de maio de 1728 e as obras se prolongaram até 30 de janeiro de 1782, quando foi realizada a solene sagração pelo bispo D. Tomás da Encanação Costa Lima, então provedor da irmandade. Trata-se da mais recifense das igrejas e, no dizer de Robert Smith, um dos mais belos monumentos barrocos do país. A sua singular nave, com o seu cadeiral em jacarandá, forma um harmonioso conjunto em talha, um dos mais ricos repositórios de arte-sacra do Brasil.

O templo é reconhecido a distância pelas suas duas elegantes torres, coroadas por cúpulas, firmadas sobre peanhas octogonais, que se destacam, elevadamente, da base quadrangular que cobre os campanários, por uma balaustrada. Na sua fachada, uma monumental portada em cantaria (calcário) aparece ladeada por duas colunas geminadas, sustentando sobre a porta principal as armas com as chaves do apóstolo Pedro, que aqui representam as armas da irmandade. Esculpida em pedra se sobressaem da portada, ao lado de cada uma das colunas geminadas, “duas sereias com elmos emplumados aos lados da porta principal”, como bem observou Robert C. Smith, quando do seu artigo “Os velhos templos do Recife”. Sobre esta, uma grande janela distribuída em dois dos seus pavimentos serve para a iluminação natural do coro e da própria nave da igreja, esta por sua vez também iluminada pelos óculos situados na lateral do edifício; ao centro, uma imagem em tamanho natural de São Pedro, ladeada por volutas e contravolutas, esculpidas em pedra arrecifes, é encimada por uma cruz em ferro. O conjunto, no qual predominam as linhas verticais, encontra-se disposto em cinco planos e ostenta magníficas portas esculpidas em madeira em estilo barroco. O interior apresenta um belo forro pintado em perspectiva e púlpitos entalhados entalhados no estilo D. João V, em talha dourada com cariátides frontais, com suas bases em pedra, ambos confeccionados no século XVIII. Os balcões e as safenas são do estilo rococó, o mesmo acontecendo com a capela-mor, a nave e a base do altar-mor. O teto da capela mor é guarnecido por florões entalhados na madeira, com adornos fitomórficos e acantiformes característicos do barroco setecentista, sendo encimado por medalhões com as imagens em madeira dos doze apóstolos e dos quatro evangelistas, além das armas pontificais. Possui altares e púlpito talhados em madeira e pedra.

Na decoração do seu interior, trabalharam grandes artistas do barroco brasileiro: João de Deus e Sepúlveda, encarregado da pintura em perspectiva ilusionista do forro da nave octogonal, onde aparece o apóstolo Pedro abençoando o mundo católico (1764-1768); Manuel de Jesus Pinto, responsável pela douração e prateação do mobiliário da igreja (1804-1815); Francisco Bezerra, executante dos dez painéis sobre a vida de São Pedro localizados na capela-mor, e o mestre entalhador José Gomes Figueiredo, responsável pelo sacrário e cadeiral do altar-mor, bem como por todo o mobiliário da sacristia.

A pintura em perspectiva do forro da nave de São Pedro dos Clérigos é uma das mais notáveis obras de arte-sacra do país. Foi realizada por João de Deus e Sepúlveda, entre os anos de 1764 e 1768, que para isso recebeu, em três parcelas, a elevada importância de 450$000. Trata-se de um trabalho penoso que o obrigou a permanecer deitado sobre uma cama suspensa, apoiada em andaime prese por cordas e carretéis, acrescido dos constantes aborrecimentos com a irmandade dos padres. As tintas usadas eram adquiridas em Lisboa por alto preço e os padres, temendo o “prejuízo que podia resultar à irmandade” em caso de desistência ou de falecimento, exigiram do artista uma “fiança das tintas” como seguro de conclusão de obra.

No grande forro gamelado, construiu o artista, em construiu o artista, em quadratura ilusionista, valorizando a sucessão de espaços vazados, um grande panorama no qual aparece o apóstolo Pedro abençoando o mundo cristão. Trata-se de pintura talvez inspirada no tratado de Antiguidades Romanas dos Tempos da República, de autoria de Giovanni Batista Piranesi (Mestre, Itália, 1720 – Roma, 1778), segundo interpretação de Clarival do Prado Valladares.

A professora Vera Lúcia Costa Acioli, da Universidade Federal de Pernambuco, afirma ser de João de Deus e Sepúlveda a pintura do forro do coro da Igreja de São Pedro dos Clérigos, atribuída por alguns autores ao dourador Manuel de Jesus Pinto, que nela trabalhou no período de 1805 a 1806. Para isso, baseia-se no Livro de Termos da Irmandade (1717-1843), onde, em 26 de maio de 1768, a mesa regedora decide em favor da “pintura dos arcos da nossa capela-mor e coro, da cornija para baixo, e oito pedestais que ficam entre as tribunas de cima por ficarem estas fora do ajuste do mestre pintor João de Deus e Sepúlveda, […] que se fizessem às referidas pinturas com outro juntamente o que preciso fosse para ficar mais luzida a obra”. Quanto a Manoel de Jesus Pinto este, segundo consta no Livro de Despesa, 1802-1872, fl, 10, da Irmandade, fora contratado com o objetivo de “dourar dezesseis tribunais, oito safenas de baixo e todo o coro”, pelo que recebeu 700$000 e ainda deveria “renovar, fingir e dourar as pedras e pintar de verde todas as partas da igreja”, todo o serviço pela importância de 600$000. “Daí conclui-se que o trabalho de Manoel de Jesus Pinto, sem desmerecer suas qualidade artísticas, foi de renovar ou retocar uma pintura já existente e que fora realizada por João de Deus e Sepúlveda”.

Na capela-mor, destaque especial para as 35 cadeiras em jacarandá, que, juntamente com o mobiliário da sacristia, incluindo as cômodas, estantes e os repositórios, têm a assinatura do mestre toreuta José Gomes Figueredo.

A obras da sacristia foram inauguradas em 1781, com o altar e a imagem de Nossa Senhora da Soledade, em tamanho natura, doada pelo padre Inácio Francisco dos Santos, provedor da irmandade de 1777 a 1778, e a túnica, diadema e demais objetos de vestuário doados pelo padre Manuel Lourenço Souto. Os caixões e o repositório em jacarandá da sacristia foram também executados em 1787, recebendo para isso o José Gomes de Figueiredo a importância de 800$000, ficando as madeiras fornecidas pela Irmandade.

Na sacristia da Igreja de São Pedro dos Clérigos se encontra uma das mais importantes obras de marcenaria em Pernambuco. Seu mobiliário foi confeccionado em jacarandá, o mesmo acontecendo com o par de repositórios em estilo cabriolé, o os dois jogos de cômodas (arcazes) com puxadores em prata. Sobre estas, em talha dourada, ladeando o nicho de Nossa Senhora da Soledade, existem seis retábulos com as pinturas de São João Crisóstomo, arcebispo; São Galdino, cardeal-bispo; São Silvestre, papa; São Damaso, papa; São Carlos Bartolomeu, cardeal-arcebispo; e Santo Ambrósio, arcebispo, doutor. No forro da sacristia contempla-se um painel com os “Doze Apóstolos” respectivamente assinalados.

É de 1787 o contrato da irmandade com o mestre entalhador José Gomes de Figueiredo destinado à confecção das portas almofadadas da sacristia e dos dois repositórios, em cujas gavetas são guardados os cálices, âmbulas, livros e panos de linho. Os dois repositórios, embutidos nas grossas paredes da sacristia, logo despertam a atenção do visitante. Com base nesse trabalho é possível atribuir a Figueiredo outros armários existentes em outras igrejas do Recife e que têm, por traço comum, duas pernas cabriolé, puramente decorativas seguindo um costume português, que se destacam da parede onde esses repositórios permanecem embutidos. Quase todos têm cornijas semelhantes, com decoração diagonal, superfícies sinuosas e ornamentos, de forma rococó.

Os repositórios de São Pedro dos Clérigos , com a as imponência, despertam logo a atenção de qualquer visitante. Lembram peças semelhantes existentes na sacristia da Igreja do Mosteiro de São Bento de Olinda, que possuem 50 gavetas pequenas quadradas para guarda de amictos. “Ambos os conjuntos têm as mesmas cornijas de curvas sinuosas subindo para o arco abatido central, que é ligado por uma abraçadeira entalhada a uma massa ornamental plástica colocada na parte superior. Nos de Olinda a transição é feita por uma forma convexa, lembrando a tromba de um elefante ornamentada com uma decoração crescente. Há a mesma aplicação de volutas nos ois conjuntos de armários, na parte superior da cornija e as pernas fortemente encurvadas, tipo cabriolé, as do Recife terminam em gigantescas patas de avestruz, que agarram bolas achatadas e bipartidas. As de Olinda são compostas por três seções com vários graus de convexidade, apresentando as do Recife, bases em serpentina, que asseguram a mesma animação e resultam em pernas salientes e das pilastras chanfradas, nos lados, enriquecidas com lutas flamantes…”

Ainda na sacristia, o lavatório e a respectiva saleta são trabalhos de cantaria e escultura em mármores trazidos de Lisboa.

Consagrada a igreja em 1782, restaram ainda alguns acabamentos como o douramento do altar-mor, tarefa confiada ao pintor Inácio de Melo e Albuquerque (1783). As obras contuaram com a confecção de alguns painéis decorativos e o douramento do corpo da igreja, além de outros trabalhos complementares, dentre os quais diversas fases da vida de S. Pedro, pintadas por Antônio Bezerra, por 300$000.

Aos fundos da sacristia, ocupando o terreno anexo, encontra-se o cemitério da Irmandade de São Pedro dos Clérigos. Foi esta a primeira a ter cemitério próprio, para sepultura dos seus membros, construído em 1801, inaugurado em 8 de janeiro de 1802, com o sepultamento do padre Francisco das Chafas Sousa.

Entre os anos de 1804 e 1813 trabalhou nesta igreja o mestre entalhador Felipe Alexandre da Silva, responsável pela confecção de duas safenas das tribunas de cima e pelo “calvário” que fez para a “Imagem do Altar das Catacumbas”, além de quatro castiçais e uma banqueta para o mesmo altar; 1805-06 confeccionou as 16 tribunas da igreja; 1806-07, as nove sanefas das portas e janelas do corredor; 1813, a banqueta do altar da sacristia, seis castiçais e a cruz.

Chama atenção José Antônio Gonsalves de Mello, para a imagem do altar-mor, São Pedro em vestes pontificais, vinda de Lisboa em 1746, que traz consigo uma cruz pontifical em prata, cravejada em pedras preciosas, trabalho do ourives Antônio Rodrigues Machado. Destaque Sagrada Família (1750), Santo Antônio e São Paulo.

Na Igreja de São Pedro dos Clérigos atuou, como mestre-capela, entre 1778 e 1789, o compositor recifense Luiz Álvares Pinto (1719-1789).

Em 1860, vem a Irmandade de São Pedro dos Clérigos realizar uma grande reforma no interior do seu templo, com a renovação da obra em talha, “quase toda perdida”, e dos altares, inclusive do altar-mor, e retábulos com influência do classicismo são confeccionados nesta nova intervenção. Na substituição da decoração antiga por uma mais moderna foram sacrificados todos os painéis da capela-mor, restando somente as obras de pinturas o coro e nave da igreja. Por essa época, trabalhou em São Pedro dos Clérigos o entalhador Felipe Alexandre da Silva, responsável pela confecção das sanefas e guarda-corpos das janelas da nave.

Naquela reforma o antigo ladrilho foi substituído por mosaico, deixando soterradas as campas sepulcrais de sacerdotes ilustres, como a do vigário João José Saldanha Marinho Cavaleiro, autor da História da Igreja pernambucana.

Em 1910, foi o Bispado de Olinda promovido a Arcebispado em 5 de dezembro, e, oito anos depois, o papa Benedito XV uniu Olinda e o Recife na mesma Arquidiocese, e a Igreja de São Pedro dos Clérigos foi elevada à honra de concatedral.

O conjunto encontra-se inscrito como Monumento Nacional no libro das Belas Artes v. 1, sob o n.° 187, em 20 de julho de 1938 (Processo n.° 123-T/38).

Fonte
Silva, Leonardo Dantas, 1945.
Pernambuco preservado: histórico dos bens tombados no Estado de Pernambuco / Leonardo Dantas Silva .-2. ed.- Recife: L. Dantas Silva – Editor, 2008.
272p. il.
inclui bibliografia
Histórico de 76 monumentos e quatro sítios históricos tombados pelo IPHAN no Estado de Pernambuco.

Pesquisado emBiblioteca do IPHAN de Pernambuco

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